Neve, tempestades e cavernas de gelo: tanto de assustador como de espantoso
Islândia, a terceira viagem, fevereiro de 2015
Visitar a Islândia no inverno tem algumas limitações: muito menos horas de luz, tempestades quase todos os dias com neve, chuva e muito vento, estradas intransitáveis. Em compensação, a beleza da paisagem é elevada ao expoente máximo. E vai precisar de alguma adrenalina, pois os imprevistos vão acontecer. É uma aventura com momentos assustadores, mas com paisagens e cenários que vos deixarão maravilhados para sempre!
Depois de duas viagens no verão, em pleno mês de agosto, queria muito visitar este país na estação do ano precisamente oposta: o inverno. O número de horas de luz é muito menor, a paisagem está toda pintada de branco e há programas que apenas podem ser feitos no inverno, nomeadamente as visitas às cavernas de gelo. Prepare-se para se espantar todos os dias, pois todos os dias vai encontrar paisagens surpreendentes e também assustadoras, pois todos os dias se irá cruzar com o perigo.
Todas as viagens que fiz neste país têm sido diferentes, sobretudo pelo percurso efetuado e atividades. Desta vez não poderia fazer o trajeto circular por todo o país, já que a travessia de sul para norte com neve e tempestades poderia ser bastante difícil ou mesmo impossível, com carro. Assim, limitei esta viagem à zona sul da ilha, de Reykjavik até Jokulsarlon, bem como uma incursão de alguns dias pela Península de Snaefellness.
Os primeiros dias foram pela capital e aproveitei para entrar na Blue Lagoon em pleno inverno, num dia bastante frio, de vento forte, chuva e neve. Aliás, o caminho para lá foi um pouco assustador, com ventos tão fortes que sacudiam o jipe e o pensamento mais comum era de que a qualquer momento seríamos atirados para fora da estrada. Algumas pedras pareciam ser arrastadas com o vento. Sair do jipe era praticamente impensável. Ainda assim, ver as previsões meteorológicas antes de sair do hotel, foi uma lição que não aprendi ao longo da viagem...
Sugestões para visitar em Reykjavik
No inverno, devido ao frio e ao mau tempo, pode ser bastante desagradável deambular pelas ruas, pelo que poderá aproveitar para visitar alguns espaços emblemáticos, como lojas ou museus. Vou-lhe deixar algumas sugestões de espaços que fizeram parte desta minha terceira viagem à Islândia.
Em primeiro lugar a icónica igreja luterana Hallgrimskirkja; além do interior despido, bem diferente das igrejas do sul da Europa, tem apenas um altar, os bancos e um órgão enorme. Poderá subir à torre do relógio e avistar a cidade e os seus telhados coloridos. Na imagem ao lado, o relógio da torre da catedral Hallgrímskirkja, um ex-líbris da cidade.
O Harpa Concert Hall and Conference Centre é outro dos locais obrigatórios, aliás, é já um ponto de encontro central obrigatório da cidade. Uma obra de arquitetura moderna, espaço de concertos e outros eventos culturais, e a casa/sede da Orquestra Sinfónica da Islândia e da companhia de ópera.
A minha terceira sugestão é o Perlan, anteriormente um centro comercial com restaurante panorâmico, mas foi renovado e ainda em 2018 abrirá o planetário neste centro. É também um observatório sobre a cidade e pode ser um local interessante para fotografar as auroras boreais, se não quiser afastar-se muito da cidade.
Uma quarta sugestão é o Museu do Pénis, provavelmente único no mundo. Não é grande, mas é um museu muito peculiar...
Blue Lagoon no inverno: se os vikings conseguem, os lusitanos também!
Uma das maiores atrações da Islândia é a Blue Lagoon, o maior SPA natural do mundo e, sem sombra de dívida, uma experiência que deve fazer pelo menos uma vez na vida, seja no inverno ou no verão. A temperatura ambiente pode ser fria, mas água é mantida à temperatura constante de quase 40ºC. Obrigatório é colocar na cara a pasta branca de silício, um mineral que serve de exfoliante.
Com o crescimento do turismo, a procura deste SPA é cada vez maior, ao ponto de atualmente ser estritamente necessário efetuar a reserva da entrada online com alguma antecedência; caso contrário, o mais certo é não conseguir entrar.
O primeiro desafio é entrar na água, pois tem que atravessar despido do balneário até às escadas de entrada na lagoa azul. Serão os 30 segundos mais difíceis desta experiência. Mas só custa entrar, especialmente se estiver um forte temporal de neve, chuva e vento muito forte. Depois de entrar, está a salvo. A água é mantida a cerca de 40ºC, pelo que o corpo nunca sentirá frio dentro de água. O mais desagradável era o vento e a chuva, que arrefeciam a cabeça e obrigavam a imergir a cabeça de 5 em 5 minutos, de forma a manter todo o corpo quente. Ao fim de algumas horas, torna-se cansativo devido à agressividade do mau tempo e cheguei mesmo a ficar um forte zumbido no ouvido durante o resto dia, que passou no dia seguinte. Sair da água são outros 30 segundos difíceis, especialmente porque o corpo está bastante quente, mas é inevitável. É duro e cansativo ao fim de algumas horas, mas uma experiência que deve mesmo fazer. Imagine então apenas com neve a cair...
Pensínsula de Snaefellness: a Islândia em miniatura
Esta península é também conhecida como a Islândia em miniatura, isto porque, apesar de pequena, contém uma enorme diversidade de paisagens que encontra por todo o país. Nesta pequena península encontra praias com rochas em basalto, lava, cascatas, vulcões, montanhas, glaciares.
A pequena cidade de Grundafjordur foi a minha primeira estadia depois dos dias em Reykjavik. Em Grundarfjörður tem, pelo menos, duas das atrações naturais mais apreciadas pelos fotógrafos: Kirkjufell e Kirkjufellsfoss, a montanha e a cascata. São inúmeras as possibilidades fotográficas e perspetivas sobre estas atrações naturais. E, no inverno, ficam ainda mais belos, com gelo e neve.
Tempestades na estrada: pode ser assustador!
Apesar de quase todos os dias ter enfrentado momentos difíceis nas estradas, quase nunca via as previsões meteorológicas para esse dia. Assumi que todos os dias seria assim e que deveria programar-me para chegar cedo aos locais, pois conduzir à noite com estas condições é bastante perígoso. O dia podia começar com céu limpo e acabar com uma grande tempestade de neve e vento. Os dias são mesmo muito curtos e era inevitável chegar aos hoteis já de noite e repetir as mesmas aventuras pela estrada. A visibilidade era muito reduzida. Em alguns momentos tem mesmo que se parar no meio da estrada porque os ventos fortes e as tempestades de neve não permitem nenhuma visibilidade, nem sequer as sinaléticas amarelas que limitam as estradas, pelo que não percebia sequer se estava ainda na estrada.
Poucas horas de luz e tempestades quase todos os dias
Se no verão ter mais de 20 horas de luz lhe pode causar alguma confusão, as poucas horas de luz no inverno também podem perturbar, especialmente aos turistas que ficam com os dias muito curtos e com uma margem muito pequena para explorar o país. Dezembro e janeiro são os meses com menos horas de luz (apenas entre 4 a 5 horas). Já nas temperaturas são os meses entre novembro e março que registas, em média, temperaturas iguais ou inferiores a 1°C. Apesar da proximidade do Círculo Polar Ártico, Reykjavik não é uma cidade muito fria. Por exemplo, Nova Iorque regista temperaturas bastante mais baixas do que a capital da Islândia. Aliás, o mais difícil de suportar no inverno islandês não é a temperatura, mas sim as tempestades frequentes de neve e o vento que tornam impossíveis as saídas para fora das cidades e mesmo a circulação e visibilidade nas estradas.
Um paraíso a preto e branco
Para quem gosta de fotografia a branco e preto, os cenários são perfeitos. A neve encarrega-se de pintar a paisagem de banco e o que resta tem tons escuros, seja a vegetação despida, os cavalos que resistem estoicamente ao frio, as montanhas ou mesmo as noites longas e os escuros caminhos. Ao ar livre há praticamente uma ausência de cor.
Apesar da fotografia a preto e branco não me fascinar, aqui é diferente, porque não é um filtro, são as cores naturais da paisagem de inverno na Islândia. O preto e branco é o estado natural desta estação, provavelmente uma das mais fotogénicas (juntamente com o outono).
Jokulsarlon, o lago do glaciar Vatnajokull
Depois de Vik, segui até ao ponto mais distante desta viagem. Tenho alguns lugares preferidos na Islândia e no topo dessa lista está o lago gelado do glaciar Vatnajokull, o lago Jokulsarlon. Qualquer viagem à Islândia deve ser, pelo menos, até aqui. No inverno, a travessia por estrada, para norte é muito difícil, pelo que optei apenas pela zona sul.
Consoante a estação do ano, a morfologia do lago é diferente. Se no verão podemos ver os pequenos icebergues soltos, no inverno quase todo o lago fica gelado e não se ouve o tilintar dos pedaços de gelo arrastados pela corrente.
O objetivo de chegar até Jokulsarlon tem a ver com o meu desejo de querer visitar e fotografar as cavernas de gelo e a maior parte das visitas são precisamente nesta zona, nas entradas do glaciar Vatnajokull.
O azul das cavernas de gelo
Reservei duas visitas a cavernas de gelo, em dois dias diferentes e com duas empresas distintas, precisamente para ter a certeza que não vinha desiludido, caso alguma delas não fosse tão espetacular quanto o esperado ou caso houvesse algum contratempo com as condições meteorológicas. E ainda bem. Porque efetivamente a primeira visita não foi assim tão surpreendente e as fotografias foram menos interessantes. A caverna de gelo era mais escura e o passeio foi mais curto. O mesmo não posso dizer da segunda visita, essa sim, bastante mais surpreendente.
As cavernas de gelo são nas imediações do glaciar Vatnajokull, pelo que fiquei alojado no www.hali.is. Não sendo um alojamento luxuoso, tem uma localização priveligiada, a poucos quilómetros de Jokulsarlon, o lago de gelo do glaciar. É o sítio certo para ficar de forma a usufruir melhor desta paisagem sem perder muito tempo em deslocações. Além disso, este local, que tem à disposição vários tipos de alojamento, dispõe também de um restaurante que serve almoços e jantares, além do pequeno-almoço. É um local muito agradável e onde vai querer mais do que uma noite.
Visitar cavernas de gelo naturais (ice caves), é uma experiência que considero mesmo obrigatória na Islândia, mas apenas possível de realizar no inverno!
Recomendações de inverno
Alugar um jipe com sistema de GPS, ver regularmente as previsões meteorológicas, ter sempre à mão os números de telefone de emergência e nunca se aventurar sozinho em caminhos e estradas isoladas, são algumas das minhas recomendações para quem visita este país no inverno.
Na Islândia, em qualquer altura do ano, os turistas têm tendência para relevar os perigos, como se a beleza natural os inebriasse e nada de mal lhes pudesse acontecer. Nada mais errado! O desejo de conseguir registos fotográficos espetaculares ou ir até aquele sítio que viram nos milhares de fotografias que circulam na net faz com que as pessoas esqueçam um pouco a segurança e menosprezem, por vezes as condições climatéricas, outras vezes a dureza dos lugares. Por isso é muito frequente ver carros atolados na neve ou avariados em vários lugares, para não falar dos muitos casos fatais de pessoas que desapareceram, ou porque não encontraram o caminho de regresso ou porque se aventuraram em trilhos pouco seguros. No inverno, mais do que em qualquer altura do ano, o foco na segurança é essencial. É tudo excessivamente belo, mas também perigoso.
Em suma, deve ir à Islândia no inverno sempre depois de já ter ido no verão ou outono, pois é uma estação com duas grandes limitações (as horas de luz e o mau tempo); é perfeito para uma segunda viagem a este país, mas nunca como primeira, pois ficará tanto por ver e poderão acontecer muitos imprevistos que obrigarão a mudar os programas de alguns dias.
Mas é um país que me continua a surpreender, qualquer que seja a estação do ano em que o visite. E, em termos de experiência fotográfica, foi uma das viagens mais ricas, intensa e inesquecível, até à data. Quero tanto voltar lá no inverno!
Literatura da Islândia, mas só para curiosos
Às vezes perguntam-me, em tom jocoso, "então o que é que aprendeste nesta viagem?" devido ao alter-ego O Viajante Aprendiz. Prefiro optar pelo silêncio, até porque me parece demasiado óbvio que qualquer viagem acrescenta muito conhecimento e informação, experiências e novas sensações, que não caberiam em meia dúzia de palavras. Toda essa nova informação que uma viagem nos acrescenta estimula a imaginação e o pensamento e gera ainda mais sede de conhecimento. É a curiosidade que move os viajantes.
E especialmente para os mais curiosos, aqui ficam algumas sugestões de leitura de alguns dos escritores islandeses mais reconhecidos internacionalmente e traduzidos também para português, editados pela Cavalo de Ferro.
ⓒ O Viajante Aprendiz - Portfólio fotográfico de António José Ribeiro