Ilhas Faroé, o segredo mais bem guardado do Velho Continente

Faroé (Dinamarca), agosto de 2018

"Onde é que isso fica?", "não havia nada mais longe?" ou "mas tu nem gostas de calor..." foram alguns comentários que ouvi quando dizia que as ilhas Faroé eram o meu próximo destino. Total desconhecimento. A prova é o turismo ainda residual, mas poderá ser por pouco tempo. Ilhas Faroé ou Féroe, como queiram, é território da Dinamarca e composto por 18 ilhas, onde vivem menos de 50 mil habitantes. Faroé vem de Føroyar, o que significa "ilha dos carneiros". O tempo é quase sempre mau, pois chove em cerca de 320 dias por ano. Quem diria que entre tempestades, ventos fortes, penhascos e marés, se esconde uma das mais belas jóias do Atlântico, ainda por descobrir.


Há alguns anos que queria visitar este destino e, depois da Islândia, Noruega e das Lofoten, faltava apenas visitar as Faroé para completar os paraísos do norte.

Fui numa viagem de grupo, partilhando 8 dias com 7 desconhecidos. Não se tem a mesma liberdade para fotografar do que viajar sozinho mas, por outro lado, também vou a locais que talvez não fosse sozinho. O programa estava definido e desta vez não fiz nenhuma investigação prévia, até para não criar expectativas sobre lugares que depois não poderia visitar porque não faziam parte do programa. Deixei-me levar.

Os nossos Açores e Madeira, paraísos do Atlântico e das mais belas ilhas do mundo, já não são segredo, muito menos para os milhares de turistas que anualmente as visitam. O mesmo não se passa com as Faroé, ainda desconhecidas de uma boa parte da população, mesmo dos europeus, especialmente do sul. Podemos mesmo dizer que as ilhas Faroé são a jóia escondida do Atlântico!

Como ir? São dois voos partindo de Lisboa

A opção mais simples é ir de Lisboa até Copenhaga, na Dinamarca, e depois de lá até às Faroé. Com cerca de 750 euros consegue adquirir os dois voos. Há outras opções, pois companhia aérea das Faroé voa, desde 2018, a partir de Espanha. É uma questão de pesquisar, pois os preços poderão variar consoante o período em que faça a reserva.
Outra opção é ir de Lisboa até Edimburgo e de lá para o aeroporto de Vágar, nas Faroé. Certamente Edimburgo é uma cidade mais fotogénica do que Copenhaga e os preços talvez não sejam assim tão diferentes.

18 ilhas de tranquilidade no Reino da Dinamarca

O arquipélago das Faroé fica meio caminho entre a Escócia e a Islândia e é composto por 18 ilhas. Tem apenas cerca de cinquenta mil habitantes e depende da administração da Dinamarca, apesar de ter moeda, língua e governo próprio. Foi escolhido pela National Geographic como o destino turístico mais sustentável do mundo (os nossos Açores ficaram em segundo lugar).
Emergindo do mar em estratos basálticos negros, as montanhas das Ilhas Faroé fazem-me lembrar muitos lugares da Islândia. Geologicamente, essas ilhas vêm do mesmo grupo vulcânico do Atlântico Norte. A paisagem é muito idêntica à dos fiordes do noroeste da Islândia, com a diferença de que as Faroé têm mais povoações e são mais habitadas. A paisagem verde, as ovelhas dispersas, alguns cavalos e vacas; também se encontram frequentemente grupos de gansos, até mesmo a atravessar a estrada.
Nas estradas é preciso algum cuidado, nem tanto por causa dos restantes condutores, mas pelos animais que frequentemente se atravessam no caminho. E certamente não quererá manchar a sua viagem com o assassinato de uma familia de gansos.

Ligações históricas: Irlanda, Noruega, Islândia, Reino Unido e Dinamarca

Ainda no primeiro milénio, as ilhas Faroé já foram ocupadas por irlandeses, conquistadas e colonizadas por noruegueses. Na Idade Média passam para a Coroa da Noruega e da Dinamarca; em 1720 passam a ser administradas como parte da Islândia, e depois como parte do condado dinamarquês e denominada de Zêlandia. Já no século passado, foram ocupadas pelos britânicos, durante a segunda Guerra Mundial e posteriormente foi proclamada a independência, mas anulada pela Dinamarca dois dias depois. Desde 1948 existe um Governo autónomo.

Vágar, Streymoy, Eysturoy, Kalsoy, Kunoy, Bordoy e Vidoy:
os pontos de interesse de cada ilha

Vágar, Streymoy, Eysturoy, Kalsoy, Kunoy, Bordoy e Vidoy foram as ilhas visitadas nos percursos desta viagem. Quase todas ligadas por estradas, pontes e túneis. As restantes estão mais afastadas e é necessária a travessia de barco. Também a ilha de Kalsoy só pode ser visitada depois da travessia por ferry. A visita à ilha de Mykines estava também prevista nesta viagem, já que é um polo de observação de puffins (ou papagaios-do-mar) e tem um farol bastante fotogénico, mas a viagem de barco acabou por ser cancelada devido às más condições climatéricas e de navegação. A viagem até esta ilha também pode ser feita de helicóptero, que ficará para uma próxima oportunidade...

Vágar é a ilha onde está o aeroporto e também onde fica uma das atrações naturais mais conhecidas das Faroé: o lago Leitisvatn, mesmo ao lado do aeroporto. Uma caminhada fácil de 3 kms até às falésias de Trælanípan, que guardam um passado sombrio já que, noutros tempos, os escravos debilitados eram aqui atirados ao mar. A vista é vertiginosa: um lago mesmo ao lado do mar e umas falésias bastante dramáticas. É um dos passeios obrigatórios! Tive a sorte de apanhar umas nuvens muito fotogénicas. Mas este é um daqueles sítios onde quero voltar para fotografar com drone. Ainda nesta ilha, é também obrigatória a vista à cascata de Gasaladur, outro monumento natural icónico das Faroé, também obrigatório. Pelo caminho, visite a pitoresca povoação de Bøur. 

Na ilha de Vágar está uma das atrações naturais mais conhecidas das Faroé: o lago Leitisvatn, mesmo ao lado do aeroporto. Uma caminhada fácil de 3 kms leva-nos até às falésias de Trælanípan.

O lago Leitisvatn, mesmo ao lado do aeroporto. A caminhada é suave, cerca de 3 kms num passeio sem grande esforço até chegar às icónicas e muito fotografadas falésias de Trælanípan onde, noutros tempos, eram atirados ao mar os escravos debilitados. Um local com um passado sombrio, mas que proporciona vistas assombrosas das falésias e do lago.

Autoretrato. O lago Leitisvatn, mesmo ao lado do aeroporto, na ilha de Vágar.

Eysturoy é uma ilha mais central e foi nela que ficámos alojados durante toda a viagem, nomeadamente na localidade de Fuglafjørður. A sua localização central facilita as deslocações para qualquer lado da ilha, até porque a programação dos dias dependia bastante das condições climatéricas e por aqui o tempo é bastante instável. Ficar no centro das ilhas pode ser uma boa estratégia para compatibilizar as distâncias das deslocações com os imprevistos e as mudanças de planos.
Nesta ilha, é obrigatória a ida até Funningur e subir uma das montanhas; a vista é avassaladora. Depois seguir até à pitoresca vila de Gjógv, onde poderá avistar puffins.

A visita à ilha de Kalsoy é feita por ferry. Já a ilha de Kunoy tem uma pequena localidade com o mesmo nome e uma pequena floresta.

Na ilha de Streymoy foi a dramática praia de areia preta de Tjørnuvík que mais me cativou o olhar fotográfico e também as estradas curvas de Norðradalur. As casas com telhados de erva em Saksun, apesar de um lugar idílico, parecem um pouco atração para turista ver. Interessantes são também as ruínas de uma igreja em Kirkjubøur e a cidade de Tórshavn, a capital das Faroé.

Ilha de Kunoy

Para o último dia: Tórshavn, uma das mais pequenas capitais do mundo

A aventura pelas ilhas Faroé não fica completa sem um dia ou dois por Tórshavn, localizada na ponta sul da ilha de Streymoy. É uma das mais pequenas capitais do mundo. Assim, a vida urbana, cultura e lojas ficaram para o último dia. A parte mais antiga da cidade situa-se à beira do porto. Vale a pena percorrer esse bairro de pequenas casas de madeira, pintadas de preto e algumas cores fortes a contrastar. 

Não vale a pena ver a meteorologia. De certeza que vai chover!

A parte menos agradável da ilha é que tem cerca de 320 dias de chuva por ano, ou seja, qualquer que seja a altura do ano escolhida para visitar estas ilhas, vão de certeza apanhar dias de chuva. 

À semelhança dos países do norte, a história das Faroé prende-se com os vikings e muitas aventuras no mar.  A língua feroesa (ou feroica; nativamente føroyskt) é a língua oficial das ilhas Faroé, mas também se fala a lingua dinamarquesa.

Grindadráp, o mar de sangue dos faroenses

Isolados durante séculos, preservam a herança e o orgulho dos povos do norte, mas também o rigor do luteranismo. O povo das Ilhas Faroé provavelmente não é o mais caloroso no início. Mas depois de quebrar o gelo, ele parece alegre e orgulhoso, e pode guiá-lo pelo campo até ao topo de qualquer montanha. 

Grindadráp é um evento anual que colocou as ilhas Faroé sob os holofotes do mundo, mas não pelas melhores razões: durante séculos este ritual de caça às baleias e golfinhos fez parte da tradição deste povo (e ainda faz). No entanto, são cada vez mais os jovens feroenses a querer mudar esta tradição bárbara. Os habitantes das Ilhas Faroé têm pescado nos mares locais há séculos; o primeiro registro de Grindadráp remonta a 1584. A caça à baleia está profundamente enraizada em sua tradição e costumava ser essencial para sua sobrevivência, já que a carne e a gordura dos animais eram usados ​​para sustento. A pressão internacional para que os faroenses desistam desta tradição é cada vez maior. 

A carne de baleia é vendida em supermercados e restaurantes; os turistas são também clientes. No passado, as baleias costumavam ser uma fonte essencial de sustento para os ilhéus, mas hoje as dietas dps faroenses mudaram, pelo que a prática não tem assim tanto impacto na sobrevivência dos habitantes. Apesar de ter havido uma diminuição no consumo, muitos moradores ainda se sentem profundamente ligados a essa tradição e consideram a carne de baleia uma iguaria.

Um lugar onde o tempo anda muito mais devagar

Prefiro o campo às cidades; sou viciado em desertos, montanhas e glaciares; as cidades são todas diferentes, mas também todas iguais, todas caóticas. Na natureza está sempre tudo organizado: o musgo está onde deve crescer, as montanhas estão no lugar de sempre e o céu ou o mar estão sempre no sítio certo, até as pedras estão no lugar onde devem estar, mesmo que mudem de sítio. Sou viciado em organização, por isso, as cidades são uma fonte de stress; as cidades, por natureza, são a desorganização em constante mutação, o que é uma fonte muito rica de inspiração fotográfica, mas a mim causa-me ansiedade. Viajar é uma fuga à rotina, ao caos diário. Ir para um local onde não há não, nem barulho, nem filas, nem horários é praticamente como parar o tempo. E quem não gostaria de conseguir parar o tempo, especialmente se estiver num local idílico? Ter tempo para conseguir fotografar todas as tonalidades e cores do tempo. Por isso, gosto de fotografar o mesmo lugar em diferentes estações do ano. Esta foi a primeira vez nas Faroé. Provavelmente não será a última. Foi só a viagem de teste...

O que mais me impressionou nas ilhas Faroé foi a calma, a serenidade das paisagens. O tempo parece passar mais devagar aqui. E o que mais me surpreendeu foram as povoações. Muitas, muito organizadas e também muito coloridas, com muitas casas. Para ilhas que têm uma população tão pequena estava à espera que a maior parte da população estivesse concentrada numa cidade maior, como a capital, Tórshavn, à semelhança do que acontece na Islândia, em que a maior parte da população se concentra em Reykjavik e nas suas imediações. Nas Faroé, a população está dispersa em cidades e vilas espalhadas por todas as ilhas, parecendo mais populosa do que é. 

Autoretrato, junto ao farol da ilha de Kalsoy. Um dos passeios e vistas mais surpreendentes da ilha. Pode ainda conseguir-se uma fotografia mais surpreendente ao incluir o farol na paisagem. Para para isso é necessário atravessar um estreito caminho sobre falésias. Como considerei demasiado arriscado, não fui até lá. É uma fotografia que fica para a próxima viagem... mas para fazer com o drone.

Um paraíso que o turismo (ainda) não estragou

Sem dúvida que as Ilhas Faroé estão ainda longe do olhar e das modas dos turistas. E ainda bem! Mas acredito que seja por pouco tempo e dentro de poucos anos poderão vir a sofrer do mesmo mal que outros paraísos nórdicos. Os turistas ainda são escassos, as montanhas e as estradas estão em silêncio. Ainda não há batalhões de fotógrafos a fazer fila em volta das atrações naturais, como se fossem a última vedeta de Hollywood, as ovelhas estão tranquilas na paisagem e fitam-nos com alguma desconfiança. 

Aproveitem os próximos anos para visitar este paraíso nórdico praticamente intacto, tal como foi durante décadas ou mesmo séculos. Acredito que a próxima década poderá mudar o rumo destas ilhas, já que os turistas estão sempre à procura de novidades e a Islândia e a Noruega começam a estar saturadas e com preços inflacionados.

Muitas fotografias ficaram por fazer. Aliás, em qualquer viagem, ficam sempre mais imagens por registar do que as que foram captadas. Quero voltar e fotografar estas ilhas com outras cores, com outro tempo, com o meu ritmo, agora que já conheço as estradas e sei o que mais me interessa explorar. Quero levar o drone e fotografar as linhas e curvas das estradas que rasgam o verde das paisagens; quero ficar sentado nas pedras no topo dos rochedos e montanhas e olhar o horizonte durante o tempo que for preciso. 


Em grupo ou sozinho? Eis a questão...

Esta viagem fiz em grupo, através da empresa Fotoadrenalina, especializa em viagens de grupo com propósito fotográfico (não exclusivo). Contudo, é uma viagem que pode ser feita de forma mais tranquila, viajando sozinho/a ou a dois. Há vantagens e desvantagens em cada um dos modos: em grupo e através de uma empresa como o Fotoadrenalina, tem a vantagem de não se preocupar com o programa, pois já está tudo preparado, e partilha o alojamento e as deslocações (que já fazem parte do pacote); mas tem a desvantagem de o sujeitar a esse planeamento e partilhar casa, quarto e carro com desconhecidos, o que pode ser bom - uma oportunidade para fazer novos amigos - ou então não... tudo depende dos companheiros de viagem que surgirem. Terá que ter alguma dose de tolerância e adaptação. Se é dos que gosta de fazer o seu programa, ter o seu tempo e fotografar o que lhe apetece, então este é um destino tranquilo e muito seguro, ideal para viajar sozinho ou só com um companheiro/a. Mas, não deixe de espreitar o programa da Fotoadrenalina, pois é bem interessante e completo.

Na minha página de Instagram, pode rever alguns dos momentos desta viagem através do hashtag #oviajanteaprendiznasfaroe

Para saber mais sobre estas ilhas do Reino da Dinamarca, espreite o site oficial do turismo em Visit Faroe Islands.

Um impermeável para a chuva e calçado adequado são obrigatórios. É certo que vai apanhar chuva e caminhar sobre lama ou erva escorregadia.

Eivor Pálsdóttir é uma das maiores embaixadoras das Faroé. Cantora e compositora bastante conhecida nas terras do norte. Vale a pena descobrir!

Em muitas povoações, vilas e cidades, encontra cafés acolhedores onde pode descansar um pouco e aquecer, seja com café ou um chocolate quente.

No posto do turismo de Vestmanna, em Streymoy, apanha um barco para um passeio junto à costa. Pode avistar as ovelhas nos rochedos e puffins.

O peixe é das iguarias típicas, nomeadamente o salmão. O custo das refeições é elevado. Prepare-se para pagar entre 20 a 50 euros por prato.

É um dos lemas da minha vida e quando o vi escrito num carro, num parque de Saksun, não podia ser coincidência.


ⓒ O Viajante Aprendiz - Portfólio fotográfico de António José Ribeiro